O peixe que podia cantar

Melhoramentos - Portugal | 1990

E no começo da madrugada uma
criança começou a chorar; depois
outra e depois uma mulher começou
a chorar; depois outra e depois um
homem começou a chorar; depois
uma anta, uma onça, um tamanduá,
um veado, um cachorro-domato,
uma capivara, um macaco, um
tatu, um bicho-preguiça, uma ariranha,
um quati, uma paca, uma cutia,
um gambá, um preá, um gavião, uma
coruja, um tucano, uma arara, um
papagaio, um uirapuru, um sabiá,
um bem-te-vi, um joão-de-barro, um
beija-flor, uma borboleta, uma mariposa,
um marimbondo, um sapo,
uma rã, uma perereca, um lagarto,
uma lagartixa, uma minhoca, uma
taturana, uma aranha, um caracol,
uma joaninha, uma cigarra, um grilo,
um louva-a-deus, um besouro, uma
barata, um tatu-bolinha, um pernilongo,
um mosquito, uma traça,
uma pulga, um piolho e, de repente,
tudo e todos estavam chorando e
soluçando.
As lágrimas caíam e logo começaram
a se juntar. Primeiro formando
uma poça. Depois outra e
mais outra. E as poças cresceram,
tomaram corpo, se juntaram, viraram
uma lagoa e mais tarde um lago
tristonho, ao mesmo tempo turvo e
transparente.

Tradução de Inês Barros Baptista