Araújo & Ophélia
Além de Araújo e Ophélia, personagens deste livro e também de Chega de saudade, outros textos meus também trazem personagens idosos. Penso principalmente no pesquisador viajante de O peixe que podia cantar, meu primeiro livro; em Uma velhinha de óculos, chinelos e vestido azul de bolinhas brancas; em O sábio ao contrário; nos velhos dos contos “A epidemia ao contrário” e “A linha do horizonte” do livro Se eu fosse aquilo; no tio Werner deTrês lados da mesma moeda e nos dois professores aposentados da USP de Lúcio vira bicho.
Uma das razões desses velhos aparecerem em algumas de minha histórias, deve-se, creio, ao fato de que, na infância, tive a sorte de conviver com tios muito velhos, gente de setenta a oitenta anos ou mais. Lembro-me de observá-los com meus olhos de criança, alguns muito religiosos, outros fumadores de charutos e bebedores de uísque, uns sérios, outros cheios de piada, uns saudáveis, outros não, alguns caducos, outros tocadores de piano, outros ainda extraordinariamente lúcidos.
A outra razão é que sempre achei precária e insuficiente a divisão de pessoas em faixas de idade. Embora seja útil – serve, por exemplo, para organizar as classes na escola ou para determinar fatias de mercado – se levada ao pé de letra, transforma pessoas em meros estereótipos. É preciso relativizá-la.
Conheço velhos tão cheios de vida, planos e energia que parecem e agem como “jovens”. Vejo também, por aí, jovens tão sisudos, desanimados e complicados que parecem até gente “velha”.
Por outro lado, a diferença entre uma criança que tem família, casa, comida e escola de outra, da mesma idade, que nasceu e mora na rua é óbvia e dolorosa. A vida mesmo, tenho certeza, sempre foi bem mais complexa e humana do que essas divisões de pessoas em faixas etárias que, na sua abstração,esquematismo e constrangedora simplicidade, estão muito aquém da vida concreta e situada.