Historias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões
Quanta besteira o mundo tem!
Era uma moça muito bonita, mas burra como ela só. Um dia, apareceu um jovem pedindo sua mão em casamento. Os pais da moça ficaram felizes apesar de nunca terem visto aquele moço na vida.
Para comemorar o noivado, o pai da moça convidou o rapaz para passar uma tarde em sua casa. Conversa vai, conversa vem, mandou a filha buscar dois copos de pinga no porão.
– É uma cachaça de primeira, explicou ele lambendo os beiços.
No porão da casa, havia um barril enorme, cheio de pinga. Quando a moça abriu a torneira para pegar a bebida, olhou para cima e viu um machado preso no teto.
Ficou preocupada:
– E se um dia eu me casar; e se um dia eu ficar grávida; e se um dia meu filho nascer; e se um dia meu filho crescer; e se um dia eu vier visitar meus pais; e se um dia meu filho resolver brincar no porão; e se um dia o machado despencar do teto e cortar a cabeça dele fora?
Diante de tão triste pensamento, a moça desandou a chorar e a soluçar.
Enquanto isso, a cachaça escorria à vontade pela torneira aberta.
Como a filha estivesse demorando muito, seu pai mandou a mulher verificar o que estava acontecendo. A mãe encontrou a pinga caindo e a filha chorando, olhando o machado preso no teto do porão, e chorando mais ainda.
– Que foi isso, filha?
A moça explicou:
– Mãe! E se um dia eu me casar; e se um dia eu ficar grávida; e se um dia meu filho nascer; e se um dia meu filho crescer; e se um dia eu vier visitar vocês; e se um dia meu filho resolver brincar no porão; e se um dia o machado despencar do teto e cortar a cabeça dele fora?
Diante de tão triste pensamento, a mãe abraçou a filha e também desandou a chorar e a soluçar.
Enquanto isso, a pinga espirrava do barril empapando o chão.
Como a mulher estivesse demorando muito, o futuro sogro achou melhor ir ele mesmo, junto com o moço, ver o que estava acontecendo. Encontrou a pinga jorrando do barril feito cachoeira e a -mulher e a filha chorando, olhando o machado preso no teto do porão e chorando mais ainda.
– Que foi isso, gente?
A moça explicou.
– Pai! E se um dia eu me casar; e se um dia eu ficar grávida; e se um dia meu filho nascer; e se um dia meu filho crescer; e se um dia eu vier visitar vocês; e se um dia meu filho resolver brincar no porão; e se um dia o machado despencar do teto e cortar a cabeça dele fora?
Diante de tão triste pensamento, o pai da moça gritou: – Meu pobre netinho!, abraçou a mulher, abraçou a filha e também desandou a chorar e a soluçar.
Enquanto isso, um riacho de cachaça formava um lago no chão.
Foi quando o noivo disse:
– Vamos fazer o seguinte: enquanto vocês ficam aí esperando o machado cair, vou correr mundo pra ver se encontro um remédio que salve meu futuro filho.
Mas pensou baixinho:
– Só volto se conseguir encontrar gente mais burra do que essa!
E assim, montado em seu cavalo alazão, o moço despediu-se e partiu pelo mundo afora.
Andou, andou, andou.
Já era noitinha quando encontrou dois homens debruçados numa ponte. No chão, encostado num canto, um rolo de corda grossa. Os dois pareciam estar tentando tirar alguma coisa do rio.
– Enquanto eu penduro você de cabeça pra baixo pelas pernas – explicava um deles – você estica bem os braços e pega o ouro.
E o outro:
– Já disse mil vezes que não é ouro. Aquilo é um pedaço de queijo.
– É ouro! afirmava o primeiro.
– É queijo! discordava o outro.
O noivo viajante resolveu descer do cava-lo e espiar. Havia um brilho nas águas. Olhou para o céu. O brilho não era nem ouro, nem queijo. Era a lua cheia refletindo sua luz sobre o rio.
– Com licença, pessoal, disse o rapaz. – Vocês estão enganados. Aquele brilho na água não é ouro, não. Nem queijo. É só o reflexo da lua!
Os dois homens examinaram o moço de alto a baixo. Depois, olharam um para o outro e caíram na gargalhada.
– Mas é uma besta quadrada! disse um deles.
– É uma anta!, disse o outro.
– Que é isso, rapaz, continuou o primeiro. – Ou você é cego ou está precisando usar óculos. Que lua coisa nenhuma!
E o outro:
– A lua está lá no céu, disse apontando para cima. – E aquilo, explicou apontando para baixo, – está dentro da água. Onde já se viu uma coisa estar em dois lugares ao mesmo tempo? E completou:– Aquilo é um queijo.
– É ouro! disse o primeiro.
– É queijo! disse o outro..
Sem ligar para o moço, os dois arregaçaram as mangas e voltaram ao trabalho.
Debruçando-se na mureta da ponte, seguro pelos pés, o primeiro soltou o corpo perigosamente para frente e ficou pendurado no ar. O que segurava, com o rosto vermelho por causa do esforço, foi também, pouco a pouco, inclinando-se para frente. Esticando os braços, foi deixando o primeiro chegar perto da água.
De repente, o que segurava avisou:
– Péra um pouquinho que meus dedos estão ardendo!
Largou as pernas do que estava pendurado e assoprou as mãos. O outro, claro, foi parar dentro d’água. Sumiu lá no fundo e voltou engasgado.
– Socorro! Não sei nadar! Jogue a corda!
Em vez de pegar o rolo de corda no chão, o outro subiu na mureta da ponte e respondeu ofendido: – Acorda coisa nenhuma! Quem disse que estou dormindo? Espera aí que eu ajudo você! Disse isso e mergulhou de cabeça no rio. Sumiu lá no fundo e voltou engasgado.
– Socorro! gritou ele. – Também não sei nadar!
O viajante ainda tentou atirar a corda, mas não houve tempo para nada. Agarrados um no outro, os dois infelizes acabaram desaparecendo na correnteza escura e incontrolável do rio.
A lua, lá no alto, continuou brilhando cheia sobre as águas.
O noivo que saiu pelo mundo afora ficou parado na ponte, olhando. Depois, montou no cavalo alazão e partiu balançando a cabeça.
Na manhã do dia seguinte, passando perto de uma igreja, percebeu que por ali haveria um casamento. Vestidas para a festa, usando ternos, chapéus, jóias e vestidos compridos, as pessoas discutiam acaloradamente. No meio da roda, gesticulando, estavam o padre, o noivo e a noiva.
Chegando mais perto, o viajante notou que as pessoas do lugar eram muito baixas, do tamanho de anões, menos a noiva, uma moça comprida, de olhos azuis. Era ela quem falava naquele momento. Sua voz parecia triste e conformada:
– Tá bom, gente. Se for pra cortar alguma coisa, entre a cabeça e as pernas, eu prefiro a cabeça.
Cabeça não serve pra quase nada, a não ser carregar penteados e chapéus. Já as pernas – completou a noiva – isso nunca! Sem elas, como é que a gente vai andar pra lá e pra cá?
O padre apareceu com um machado na mão.
Descendo do cava-lo, o viajante pediu desculpas pela curiosidade. Quis saber o que estava acontecendo.
O padre explicou:
– Acontece que aqui todo mundo é baixinho e essa noiva é alta demais. Tão alta que não consegue passar pela porta da igreja. Por isso, para que o casamento aconteça, vai ser necessário cortá-la.
A dúvida era cortar a cabeça ou as pernas, mas o problema já está resolvido. Vai ser a cabeça mesmo.
Disse isso e já foi erguendo o machado.
O jovem viajante ficou chocado. Garantiu que não era necessário arrancar um pedaço da noiva para resolver um problema tão simples.
– Basta que ela, por exemplo, abaixe a cabeça, explicou o moço. – Ou, se preferir, que dobre os joelhos e entre na igreja agachada!
As pessoas ficaram confusas.
– Isso não vai dar certo nunca, declarou o pai da noiva, um homem velho, com ar experiente.
– Também estou achando impossível, disse o noivo.
– Não custa tentar, sugeriu o viajante.
Foram todos para frente da igreja. Primeiro, a noiva dobrou os joelhos e entrou agachada na igreja.
– Deu certo! exclamaram todos espantados.
Depois, a noiva saiu da igreja e entrou de novo, agora com a cabeça abaixada.
A alegria foi geral.
– Você é muito inteligente, disse o padre, guardando o machado e cumprimentando o moço.
– É um gênio! disse alguém para não sei quem.
– Fica sendo nosso convidado de honra! declarou o pai da noiva.
Após a cerimônia, os convidados saíram da igreja e, felizes da vida, começaram a comer, a beber e a dançar. O viajante estava cansado. Não conseguia tirar da cabeça o caso dos dois trapalhões afogados. Por causa deles nem tinha conseguido dormir direito à noite. Depois de comer um pouco, deitou-se debaixo de uma árvore para descansar. Acordou com uma gritaria daquelas.
– Socorro!
Eram vozes finas e grossas gemendo ao mesmo tempo
O jovem viajante tomou um susto. Na sua frente, caídos no chão, estavam todos os convidados enroscados uns nos outros, formando um inesperado bolo de gente. Parecia uma maçaroca estranha cheia de pernas, coxas, mãos, braços, pés, narizes, olhos, ore-lhas, pescoços, cotove-los, unhas, joelhos, cabelos, cabeças, troncos e membros.
– Me ajudem! Berravam as pessoas enroscadas, lutando, sem sucesso, para escapar da barafunda.
O viajante tentava mas não conseguia acreditar nos próprios olhos.
– Mas que bagunça é essa? perguntou ele.
Falando do meio de um emaranhado de braços e coxas, com uma perna que quase tapava sua boca, o noivo tentou resumir a situação:
– Ninguém sabe direito como tudo começou! A gente estava dançando, alguém deve ter tropeçado e caído, uma pessoa foi empurrando a outra e, de repente, todo mundo acabou indo parar no chão!
– Agora a gente está embrulhado! gritou o padre.
– A coisa aqui está preta! disse a noiva.
– A gente não consegue desatar o nó, explicou o noivo, porque, nessa tremenda enrascada, ninguém sabe mais de quem é a perna, o braço e o corpo de quem!
– Ajude a gente a sair dessa trapalhada! implorou a mãe da noiva quase chorando.
O viajante estava mau humorado, tanto pelo sono interrompi-o, como por causa do caso dos pescadores da lua tragados pelo rio.
– Deixa comigo!
Agarrando um pedaço de pau, dos grandes, saltou no meio do labirinto de braços, corpos e pernas e começou a dar paulada para todos os lados.
O efeito foi fulminante. Debaixo da chuvarada de pancadas, as pessoas gritavam, uivavam e, rapidamente, se desataram, se desentrelaçaram e se desembaralharam. Em poucos instantes, estavam todos de pé, gemendo e capengando, felizes da vida.
– Munfo ofrigado, disse o noivo com o olho roxo e vários dentes quebrados. Abraçou o viajante com lágrimas nos olhos. – Fe não fofe focê, finfuém fabe onde a fente ia farar!
Agradecidos, os convidados, mais de duzentas pessoas, decidiram juntar dinheiro e dar de presente ao viajante que partiu levando a bolsa recheada.
Continuando seu caminho, depois de andar um bocado, chegou a uma cidade pequena, esquecida entre as montanhas. (…)