Ninguém sabe o que é um poema
O livro que você tem nas mãos é uma antologia de poemas. Poemas são textos inventados por poetas. Poetas são sujeitinhos inconvenientes, cheios de vontades, que adoram fazer bagunça e mudar tudo de lugar. Mal eles chegam, já vão logo enfiando o dinheiro no aquário, o peixe na carteira, pianos na planície e capim na lapela.
A fim de bagunçar de verdade, aproveitam-se da inocência das palavras: vão bolinando as mais sonsas e as obrigam a dizer coisas estranhas e imprevistas. Para tanto, valem-se não apenas do significado imediato de cada termo, mas também de seu som, seu peso, sua cor e do ritmo que muitas vezes se insinua entre duas sílabas, duas respirações. Contrariando dessa forma os hábitos e convenções, parece que eles acordam a linguagem de uma espécie de sono, enriquecendo-a com novas possibilidades de sentido.
Ricardo Azevedo, autor deste livro, pertence a essa classe de bagunceiros que não vieram para explicar coisa alguma, mas antes para partilhar suas inquietações. Inquietações sobre a natureza e a vida na cidade, sobre o amor e a violência, o amadurecimento pessoal, o mistério que são os outros e a própria poesia.
Seus temas podem variar, assim como as formas por ele escolhidas (versos em redondilha, decassílabos, alexandrinos, versos livres, quadrinhas populares, estrofes com rima, sem rima etc.), mas em toda a parte você pode testemunhar a disposição para tratar concretamente de coisas abstratas e vagas, como idéias, sentimentos e sensações. É isso que o leva, por exemplo, a se perguntar sobre “a largura do tédio, o peso da tristeza, o limite do sonho” (“Problemas de cálculo”, p. 58), a falar da violência em termos botânicos (“Pézim de violência”, p. 43) ou a mobilizar noções da física para transfigurar uma declaração de amor (“Confissão com fissura”, p. 19).
Em suma, são mais de trinta poemas repletos de humor, lirismo e reflexão o que se oferece nas próximas páginas para deleite e espanto do leitor. E se no final “ninguém sabe o que é um poema” é porque esse é um conhecimento pessoal e intransferível, uma aventura que ninguém pode viver em nosso nome.