O chute que a bola levou
Lá pelo fim da década de 70, o time do Cruzeiro, de Belo Horizonte, tinha um lateral direito extraordinário chamado Nelinho. Era um grande jogador de futebol e um mestre em jogadas de bola parada. Foi um dos maiores batedores de falta que vi jogar, tanto por suas bombas indefensáveis e cheias de efeito como por suas bolas colocadas, maliciosas e venenosas. Mesmo com a bola em movimento, seus chutes, quase sempre de fora da área, eram assassinos e certeiros. E os escanteios cobrados pelo Nelinho? Eram meio gol! Bastava a bola sair pela linha de fundo para a torcida adversária ficar desesperada. Os goleiros tremiam e faziam o sinal da cruz. Lá vinha ele até o corner – o lateral cruzeirense batia tanto pela direita como pela esquerda – para mandar tirombaços violentos e cheios de curva para dentro da área. De vez em quando, não dava outra: gol olímpico! Falo tudo isso porque, naquela época, assisti pela televisão, direto do Mineirão, um jogo Cruzeiro e Santos. Lembro que passei o jogo inteiro roendo as unhas, angustiado, rezando para a defesa do Santos não fazer falta perto da área, nem mandar bolas para escanteio. Tudo por causa do Nelinho. Pois bem, naquele dia, encerrada a partida, me veio uma imagem na cabeça: falta a favor do Cruzeiro, Nelinho ajeita a bola com capricho, toma distancia, corre, enche o pé e manda a bola para fora do Mineirão. Meu plano era, a partir desse lance imaginário, contar as peripécias da bola chutada pelo craque cruzeirense rolando de rua em rua pela vida afora. Anotei a idéia num papel e joguei num envelope. Mais tarde, por volta de 1990, quando comprei meu primeiro computador, abri um arquivo, transcrevi a idéia e acrescentei um titulo: “O chute que a bola levou”. Nunca mais pensei no assunto até o finzinho de novembro de 2009 – se levarmos em conta a ideia inicial, cerca de trinta anos depois (!)–quando juntei minhas anotações, li de novo, inventei fatos novos e vi que estava pronto para escrever o texto. Sinto que, de certa forma, O chute que a bola levou é irmão de outros livros meus, penso particularmente em Um homem no sótão, Pobre corinthiano careca e O livro das palavras. Sei também que tem até um padrinho: Manuel Rezende de Matos Cabral, o baita cracão de bola Nelinho.