O leão Adamastor
Texto revisto e ampliado.
Lá por volta de 1979, com meus filhos ainda pequenos, fui a um circo mambembe montado mais ou menos perto de casa. Tudo era um pouco precário, mas mesmo assim o espetáculo estava bonito. De repente, tambores ameaçadores. O apresentador anunciou a entrada do “grande leão africano”. Uma jaula foi empurrada para o picadeiro. Lá de dentro salta o domador puxando o leão por uma simples corrente. Levei um susto. E se o bicho cismasse de escapar? Examinando melhor, percebi que o leão nem parecia um verdadeiro leão. Magro, curvo, com a cabeleira rala e desgrenhada, provavelmente sem dentes, o animal estava mais pra lá do que pra cá. Lembro até hoje da cara dos meus filhos, olhos arregalados, ao mesmo tempo assustados e indignados. O número, aliás bem fraquinho, consistia em uns passeios do domador pelo picadeiro e só. No fim o pobre felino não queria voltar à jaula. Acabou entrando movido a um potente chute no traseiro. Voltei para casa impressionado com aquele leão e sua precária situação. Na época, preciso dizer, eu ainda trabalhava em publicidade e pensava em abandonar o emprego para me dedicar exclusivamente aos livros. Era uma decisão difícil. E se não desse certo? E se a situação do país piorasse? E se eu não conseguisse publicar meus textos? Acho que da mistura dessas situações, de um lado, a do leão humilhado e tratado feito cachorro e, de outro, minhas dúvidas em largar ou não o emprego e assumir uma nova profissão, saíram as ideias para escrever esse livro, publicado primeiramente em 1981 pela Melhoramentos, e agora, reescrito, pela Saraiva.