Chega de saudade
Araújo ama Ophélia, meu segundo livro, foi publicado, em sua primeira versão, pela Melhoramentos, em 1981. O texto curto, dirigido principalmente ao público infantil, conta a história de dois velhinhos, ex-namorados na infância, que se reencontram no fim da vida, tomam coragem e decidem defender certa árvore que uma construtora pretende derrubar.
Com o livro publicado nas mãos, percebi que ainda havia muita coisa para contar naquela história. Quem era Ophélia? Tinha filhos e netos? Como sua família reagiu diante de seu reencontro com Araújo? Quem era Araújo? Ele também tinha filhos e netos? Era casado ou solteiro? Os dois voltaram a namorar? Casaram-se de novo? Que fim levaram eles?
Diante de tantas perguntas decidi retomar a história e escrever um novo livro que não anulasse o primeiro mas, sim, entrasse em outros detalhes e trouxesse mais informações. Assim nasceu o livro Chega de Saudade, dirigido a um público mais amplo e publicado, em sua primeira versão, pela Moderna, em 1984.
O livro foi muito bem e o tempo passou. Mais tarde, revi e reescrevi o texto inteiro mas quero contar outra coisa.
Lá por meados da década de 90, fui convidado por uma professora para conversar com idosos que tinham lido o livro. Eles freqüentavam uma espécie de clínica geriátrica. Nunca tinha tido uma experiência desse tipo antes e topei.
Era um grupo de umas 20 pessoas com idades que iam dos 70 aos 80 e pouco anos. O pessoal era muito simpático, tinha gostado do livro e o papo rolou solto.
Durante a conversa, percebi que as pessoas, volta e meia, dirigiam olhares e sorrizinhos para uma das senhoras do grupo. Era, sem dúvida a mais velha de todos. Bem magrinha, muito surda, tinha um sorriso luminoso e uns olhos vivos que pareciam duas jabuticabas.
Era tanta brincadeira que eu acabei perguntando o que, afinal, estava acontecendo.
Todos muito risonhos pediram que ela mesmo contasse.
Pois bem, aquela senhora viúva, de mais de oitenta anos, uns meses antes, voltando para casa, tinha esbarrado num senhor também de idade. Com o esbarrão a bengala do sujeito foi parar longe. A mulher ajudou a pegar a bengala, os dois começaram a conversar e, conversa vai, conversa vem, ela contou que tocava piano. Ele adorava música. Conversaram mais, marcaram um encontro e, enfim, para encurtar a história, iam se casar na semana seguinte.
Saí desse encontro feliz da vida. Primeiro porque tive certeza de que meu livro fazia todo o sentido. Segundo porque, puxa, como é bom sentir na pele que a vida é imensa e pode ser muita rica, complexa, inesperada e apaixonante principalmente se a gente deixar.