Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões

Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões foi publicado pela primeira vez em 2001 e trazia versões de quatro contos populares.

Nesta nova edição, ampliei o livro com mais duas histórias, mantendo o mesmo princípio: todas as narrativas giram em torno do herói tolo.

Na edição anterior, fiz as ilustrações em branco e preto, com tinta nanquim, usando uma técnica que venho desenvolvendo há tempos a partir dos recursos da xilogravura popular. Para a edição atual, aproveitei os mesmos desenhos mas com aplicação de cores. Isso deixou as imagens mais alegres e cheias de vida.

Desde 1986, venho recontando histórias populares. Após a pesquisa e escolhido o conto, tento encontrar outras versões da mesma história e, a partir daí, fazer uma nova, buscando sempre, claro, recuperar o que na minha leitura pareceu ser a essência de cada enredo.

O primeiro conto, “Pega-trouxa-de-papo-furado”, na verdade, nunca existiu. Foi criado a partir de pequenas anedotas populares: as desavenças dos irmãos bobos briguentos, o caso do mentiroso que afirma ter acabado de chegar do céu e a anedota, recorrente em inúmeras histórias, do chapéu que, no lugar de um pássaro raro, tem um monte de excrementos.

Em “O casamento de Mané Bocó”, juntei um episódio típico dos heróis tolos – o caso da venda da verdura ao santo de madeira – com o pequeno conto do peixinho encantado que, grato por ter sido salvo, ensina palavras mágicas e ajuda o herói, bobo que só ele, a se casar com a linda princesa que nunca ria.

Construí “Façanhas do Zé Burraldo” com base em vários episódios populares avulsos – o caso do poço, o roubo do burro, o burro que descomia dinheiro, a anedota do teatro e o caso do “adivinho” que culmina com o enterro do herói que pensa ter morrido –, que fui recolhendo aqui e ali mas que, por si só, não formavam um enredo com começo, meio e fim.

“Chico Zoeira” é uma narrativa popular completa. Encontrei várias versões dessa história e a partir delas construí a minha. Seu herói, um homem fraco da idéia mas honesto e de bom coração, é enganado e enrolado diversas vezes mas no fim acaba se dando muito bem.

“João Bobão e a princesa chifruda” também é a versão de um conto com começo, meio e fim. Nele, certa viúva muito pobre tem dois filhos: o mais velho é inteligente, mas o outro é burro feito uma porta. Graças a um ovo encantado, a mulher descobre que o destino do filho mais velho é tornar-se sábio e que o do mais moço, apesar de bobo, é virar rei e se casar com uma linda e caprichosa princesa.

O último conto, “Quanta besteira o mundo tem!”, é uma narrativa relativamente conhecida. Encontrei várias versões com diferentes episódios e procurei selecionar os que me pareciam mais interessantes. Não resisti e acabei inventando dois deles. No geral, trabalhei a partir de versões portuguesas do conto pois, até onde sei, a história completa nunca foi recolhida no Brasil, a não ser em episódios soltos que aparecem, por exemplo, em alguns casos do “PedroMalasartes”, entre outros.

Muitos contos populares apresentam heróis valentes e invencíveis que, desafiando forças mágicas e superiores, invadem castelos inexpugnáveis, enfrentam dragões, bruxas e gigantes e acabam encontrando o tesouro, casando com a princesa e subindo ao trono. Alguns poucos contos, porém, trazem heróis tolos, bobos, burraldos, bocoiós, distraídos, que se confundem, são ingênuos, fracassam, fazem mil coisas erradas, mas no fim, meio sem querer, sempre ou quase sempre acabam se dando bem.

No fundo, esses heróis atrapalhados são mais humanos e, na sua fragilidade, muito mais parecidos com todos nós.

Cultura da terra

O Brasil é um país imenso cheio de gente que viaja para lá e para cá.

Muitas pessoas saem do Nordeste para viver no Pará, Santa Catarina, Tocantins, Rio de Janeiro, Rondônia, Amapá, Goiás e outros lugares.

Famílias inteiras partem da região Sul e vão morar no Ceará, Maranhão, Pernambuco ou Amazonas. Tem gente nascida em São Paulo ou Minas Gerais em quase todos os estados brasileiros.

Muitos paranaenses, baianos, alagoanos, capixabas, sergipanos, cariocas e acreanos fazem a mesma coisa.

Essas pessoas sempre partem com o sonho de construir uma vida melhor. Além de roupas e objetos pessoais, levam na bagagem sua cultura regional, ou seja, suas tradições, seu jeito de falar, as lembranças, as histórias que ouviram na infância, os versinhos e as adivinhas que aprenderam com os avós, as crenças, as brincadeiras e até o modo de preparar as comidas.

É preciso lembrar que boa parte dessas tradições veio de longe, de Portugal, da África, de outros países da Europa e até da Ásia. Mas também veio de perto: das culturas de nossos vários povos indígenas.

No fundo, a chamada cultura popular brasileira é formada por várias e várias culturas regionais (nunca esquecendo que numa mesma região convivem diversas culturas), nascidas, basicamente, a partir de tradições européias, africanas e indígenas, espalhadas e misturadas pelo país afora.

Isso faz com que seja possível ouvir a mesma história no Rio Grande do Norte e no Rio Grande do Sul. Encontrar pessoas preparando um típico prato mineiro em Roraima ou no Piauí. Ou assistir a uma dança gaúcha em pleno Mato Grosso. Ou uma cantoria paraibana nas ruas de São Paulo.

Essa maravilhosa misturança cultural é o Brasil. Por causa dela, nosso país tem a unidade que tem, fala a mesma língua e se entende tão bem.

O livro Cultura da terra foi criado a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica. Contou também com a colaboração generosa de pessoas que vivem em diferentes Estados.

A obra foi dividida em contos, adivinhas, monstrengos, quadras e receitas, separados por regiões.

Mas não pretende afirmar que sejam exclusivos das mesmas até porque, considerando tantas culturas, tantas viagens e tantos viajantes, essa exclusividade simplesmente não existe. Nosso livro promete ser, isso sim, uma pequena amostra, um passeio pela paisagem enorme, rica, encantadora, preciosa e instigante da cultura criada, recriada e cultivada pela gente da nossa terra.

Contos de Adivinhação

Sobre adivinhas e adivinhões

Longe de ser apenas brincadeiras com palavras, todas as adivinhas costumam também ser metáforas. Ou seja, dizem uma coisa mas, ao mesmo tempo, querem dizer outra. Por exemplo, quando ouvimos: “A moça é uma flor” sabemos que o tal moça não tem folhas nem pétalas nem raízes mas sim que é bela, cheirosa e delicada. É uma moça e, também, é uma flor. Isso é uma metáfora.

Em geral, as adivinhas funcionam da mesma maneira. Se alguém pergunta: “o que é que cai de pé e corre deitada?” já sabemos que o sujeito está falando da chuva. Se pergunta: “o que é que quanto mais se perde, mais se tem” sabemos que está falando do sono.

A adivinha, portanto, pode ser considerada uma espécie de introdução à linguagem poética, mas mais que isso.

Nas sociedades antigas, druidas e sacerdotes eram admirados justamente porque

sabiam decifrar enigmas. E, para esses povos, os enigmas traziam sempre um conhecimento sagrado sobre a existência e o mundo.

Vejam as perguntas feitas pelo imperador Frederico II (1194-1250) a MiguelEscoto, o astrólogo da corte: “Sobre que se assenta a terra? Quantos céus existem? Como é que Deus se senta em seu trono? Por que a água do mar é salgada? Quais são as causas das exalações e erupções vulcânicas? Como se explica que as almas dos mortos não desejem regressar à terra?”

Eram perguntas cabeludas e muito perigosas.

Perigosas porque se o adivinho conseguisse responder era louvado e considerado

um grande sábio. Em compensação, se falhasse, era condenado à morte e ia para o beleléu.

Segundo os pesquisadores do assunto, com o desenvolvimento da civilização, o enigma ganhou dois sentidos diferentes: de um lado virou questão de filosofia. De outro virou simples divertimento.

Tudo isso, leitor, para dizer que as adivinhas, herdeiras de antigos enigmas, também costumam ter esse duplo caráter: são filosofia sobre a existência e o mundo e são brincadeiras. Ao mesmo tempo!

Basta a gente examinar as adivinhas populares para encontrar, muitas vezes, pequenas especulações que nos fazem meditar, compreender ou atentar melhor, sempre afetiva e intuitivamente, para inúmeros assuntos da vida e da natureza:

Campo grande
Gado miúdo
Moça formosa
Pai Carrancudo

R. céu, estrelas, lua e sol

Quanto mais cresce menos se vê?
Quanto mais se tira menor fica?
Sempre se quebra quando se fala?

R. escuridão, buraco, segredo (ou silêncio)

Quem faz nunca vai querer
Quem compra não quer usar
Quem usa não pode ver
Quem vê não vai desejar?

R. o caixão de defunto

Pois bem, os contos de adivinhação fazem parte disso tudo. Com seus heróis espertos, criativos e inteligentes, muitos deles herdeiros dos antigos druidas; seus reis que não sabem ser felizes; princesas que só casam com quem souber se esconder direito; soldados poetas jogadores de baralho; amigos ricos e amigos pobres; arvores adivinhonas; mães mais malvadas que bruxas e malandros cheios de truques e ardis, esses contos populares, além de brincadeiras, também trazem pensamentos e dúvidas sobre os assuntos da vida da gente.

Contos de Bichos do Mato

Passando na frente de uma casa, um andarilho sente um cheirinho delicioso vindo da cozinha. O sujeito é pobre e está faminto. Bate na porta e pede comida. Vem a dona da casa e diz que naquele dia não fez jantar.

O homem não se aperta. Será que por acaso ela não poderia emprestar uma panela para ele fazer um sopa de pedra? Surpresa, a dona de casa empresta. O andarilho enche a panela de água, põe dentro algumas pedras, prepara o fogo e coloca-a para ferver. A mulher fica só olhando.

Então ele pede uma colher e um tantinho de manteiga. Depois, um tiquinho de sal. Um pouquinho de cheiro verde, ia bem. Uma coisinha à toa de cebola. A dona da casa vai trazendo. Fatiazinhas de batata e chuchu, pode ser? Que tal um pedacinho de lingüiça e ainda um punhadinho de arroz?

No fim, o sujeito joga as pedras fora, toma a ótima sopa e vai embora de pança cheia. Dessa vez ele conseguiu enganar a fome.

Como julgar o herói dessa história? Alguém poderia dizer: “Ele é mau porque mentiu! Enganou a mulher”. Outra pessoa poderia argumentar: “Mas a mulher também mentiu e, além disso, o andarilho estava morrendo de fome. Lançou mão de um ardil para poder sobreviver!”.

As duas respostas podem ser acertadas. A segunda, porém, tem mais a ver com o sentido das narrativas de Contos de bichos do mato. O ardil é um dos recursos humanos de sobrevivência mais antigos. Flechas, armadilhas e disfarces são ardis e graças a eles o homem arcaico, em busca de alimento, pôde enfrentar e vencer animais muito maiores ou inimigos mais poderosos. Foi assim que a espécie humana conseguiu superar as adversidades e sobreviver até os nossos dias.

Mesmo os animais têm seus ardis. Adotam, por exemplo, as cores do seu hábitat, e assim, camuflados, conseguem iludir seus predadores. Na luta pela sobrevivência, até os vegetais usam recursos engenhosos para preservar a vida.

Os Contos de bichos do mato são narrativas que falam sobre a luta pela sobrevivência (e sobre o amor à vida) e foram criadas e recriadas principalmente por gente do povo, gente humilde vivendo em condições precárias. Pessoas acostumadas a todo dia acordar e ir à luta para garantir a sobrevivência naquele mesmo dia.

Nesse contexto, os homens lutam contra todo tipo de força: as forças da natureza, representadas por secas, chuvas, frio, doenças e epidemias, acidentes, perigos naturais e pela própria fome. E as forças de gente poderosa que os explora e escraviza.

Essas lutas talvez possam ser assim resumidas: uma sucessão de ardis, truques, malandragens, gambiarras e espertezas utilizados para conservar a vida. Na verdade, a fome, a busca de proteção e a luta desigual contra forças maiores são a semente de uma certa moral popular, por vezes chamada de moral ingênua.

As narrativas populares de bichos foram criadas a partir da moral ingênua. Em tese, como sabemos, a moral corresponde a um conjunto de normas de comportamento destinadas a regular as relações entre os indivíduos 1. Mas nem sempre lembramos que essas relações acontecem numa determinada comunidade social. Em outras palavras, o significado e as características da moral podem variar muito de sociedade para sociedade.

Aprendemos a pensar na moral como um conjunto de princípios gerais e universais de comportamento que deve ser respeitado por todos: não mentir, não roubar, não matar, valorizar a busca da justiça, da imparcialidade, da impessoalidade, da isenção e da neutralidade.

Mas como exigir que a moral de uma sociedade socialmente justa e equilibrada, onde todos os cidadãos pagam impostos e recebem em troca os benefícios do Estado – segurança, educação, saúde e trabalho –, seja igual à moral de uma sociedade desequilibrada onde cada um luta por si para poder sobreviver?

Para entender essas narrativas sem taxá-las de “politicamente incorretas” devemos considerá-las num contexto histórico e social específicos. Num mundo de injustiça, de tirania, de crueldade, onde impera a lei do mais forte, só pode vigorar a moral do “cada um por si e Deus por todos”, ou “comida pouca, meu pirão primeiro” ou “come mais quem come quieto” etc.

Trata-se de uma questão de sobrevivência. Sem levar em conta tudo isso não é possível compreender os Contos de bichos do mato. Mas não sejamos hipócritas. A moral ingênua, não pertence apenas ao povo pobre, humilde e socialmente desamparado. Ela é conhecida por todos os seres humanos, independentemente de graus de instrução e classes sociais. Quem nunca puxou a brasa para a sua sardinha que levante a mão!

Eis aí a dimensão riquíssima dessas histórias: elas possibilitam uma reflexão ética e uma discussão sobre a justiça, a liberdade de agir e os limites do comportamento humano.   Ricardo Azevedo   1 Diferentemente, a ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, representa um “conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral” (Vazquez). Enquanto a moral é inseparável da atividade prática, a ética constitui-se na avaliação e reflexão sobre esta atividade.

Sobre o assunto, vale consultar VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Civilização Brasileira, 1999 e ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Universidade de Brasília, 1992.

Contos de enganar a morte

Certa segunda-feira, eu estava na quarta série do primeiro grau, a professora entrou na classe com uma péssima notícia: o pai de um nosso colega tinha morrido afogado em Bertioga, no litoral paulista. Lembro do sentimento de medo: e se meu pai também morresse? Lembro de estremecer de pena e tristeza por causa do meu amigo. Lembro de me perguntar: o que é a morte?

Trata-se de um grave erro considerar a morte um assunto proibido ou inadequado para crianças. Heróis nacionais como Ayrton Senna, presidentes da república e políticos importantes, ídolos populares, parentes, amigos, vizinhos e até animais domésticos infelizmente podem morrer e morrem mesmo. A morte é indisfarçável.

Alguns adultos, porém, ainda insistem em acreditar que alienar crianças pode contribuir, de alguma forma, para sua formação (!).

Falar sobre a morte com crianças, é preciso deixar claro, não significa entrar em altas especulações ideológicas, abstratas e metafísicas. Nem em detalhes assustadores e macabros. Refiro-me a simplesmente colocar o assunto em pauta. Que ele esteja presente, através de textos e imagens, simbolicamente, na vida da criança. Que não seja jamais ignorado. Isso, note-se, nada tem a ver com depressão, morbidez, falta de esperança ou niilismo. Ao contrário, a morte pode ser vista, e é isso o que ela é, uma referência concreta e fundamental para a construção do sentido da vida. Existem assuntos sobre os quais adultos sabem mais e podem ensinar crianças. Entre eles não se encontram, por exemplo, a paixão, o sublime, a determinação da realidade e da fantasia, o sonho, a temporalidade e a busca do auto-conhecimento. Nem, muito menos, a morte e a mortalidade. Diante de assuntos assim, é preciso reconhecer, adultos e crianças sentem-se igualmente despreparados.

É muito bom quando a criança consegue se identificar com um adulto e descobrir, surpresa: “Puxa, ele é igual a mim! Ele também fica confuso, tem medo e não sabe direito!. Ele também se emociona e chora!”. Para a formação das crianças é essencial que surjam espaços de compartilhamento entre elas e os adultos. Crianças da vida rural, em geral muito pobres, costumam ter um contato bem mais sadio e natural com a morte. Dizia Walter Benjamim, sobre a época medieval, que naquele tempo “não havia uma só casa e quase nenhum quarto em que não tivesse morrido alguém”.O mesmo pode-se afirmar da vida rural e de muitos bolsões de pobreza urbana hoje no Brasil.

Lamentavelmente, a vida na sociedade tecnológica e de consumo, entre outros fatores, acabou por higienizar e explusar a morte do universo dos vivos. Isso tem tido um grande reflexo na vida das pessoas, nas famílias e nas escolas. Para ficar num exemplo, os jovens que assassinaram o pataxó Galdino de Jesus, alunos de escolas consideradas ótimas, talvez não fizessem o que fizeram se tivessem tido a chance de meditar um pouco mais sobre a mortalidade e a condição humana. Tento dizer que a violência de nosso dias pode ter a ver, entre muitos outros fatores, com o processo de alienação e ocultação da morte. Crianças e jovens precisam aprender a lidar com a vida, da qual a morte é parte inseparável. Pretender camuflá-la ou esconde-la é um desrespeito à inteligência e à capacidade de observação de qualquer ser humano. Além do que é completamente inútil.

Daí, a meu ver, a importância desses antiqüíssimos Contos de enganar a morte, narrativas populares que têm como ponto comum o herói que tenta vencer a morte. Com sua poesia, graça e magia, além de levantarem o assunto possibilitando, portanto, uma interessante reflexão, são, com certeza, uma verdadeira, divertida e apaixonada declaração de amor à vida.

Para terminar, gostaria de contar que venho mexendo com temas e assuntos da cultura popular desde agosto de 1981 quando publiquei , na Folhinha de S.Paulo, o texto Monstrengos de nossa terra, na verdade um pequeno inventário de seres fantásticos criados pelo povo.

Desde então, tenho pesquisado formas literárias populares, principalmente os contos de encantamento, adivinhas, quadras, frases feitas, anedotas e ditados.

O resultado desse trabalho está publicado nos livros Histórias folclóricas de medo e de quebranto, O moço, o gigante e a moça, João Forçudo, Pedro João e José, Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões, Meu livro de folclore, Armazém do Folclore, No meio da noite escura tem um pé de maravilha!, Bazar do folclore, Histórias que o povo conta e Se eu fosse aquilo.

No meio da noite escura tem um pé de maravilha

Este belo livro reúne dez contos folclóricos que circulam em nosso país, recontados e ilustrados por Ricardo Azevedo.

Como quem conta “causos” ao pé do fogo ou na cozinha de uma casa brasileira, em volta da mesa e tomando café, as histórias são narradas em linguagem coloquial, próxima ao leitor.

Em “Moço bonito imundo”, um rapaz faz um trato com o Coisa-Ruim concordando em ficar sem se limpar, enrolado numa capa de pele de animal por sete anos para conseguir, então, ser livre e rico.

“A mulher dourada e o menino careca” fala de uma criança criada por uma misteriosa mulher encantada que vivia num castelo escondido embaixo da terra. Ao desobedecer a ordem de não abrir as arcas guardadas pela mulher dourada, o menino acabou provocando mudanças irreversíveis em suas vidas.

“O príncipe encantado no reino da escuridão” fala de uma menina que, maltratada pela madrasta e suas filhas, consegue escapar dos maus tratos e, graças à sua bondade, recebe ajuda do Príncipe Encantado do Castelo de Ferro do Reino da Escuridão.

“Coco Verde e Melancia” são pseudônimos usados em cartas por um casal apaixonado que enfrenta a proibição de namoro feita pela família da moça usando inteligentes estratagemas, conseguindo, finalmente, desfazer mal-entendidos e casar-se.

“A mulher do viajante” conta a história de um viajante enganado por uma bruxa, que o faz acreditar que sua mulher não lhe era fiel e da inteligente solução encontrada para este conflito por sua esposa. O conto

“Os onze cisnes da princesa” retoma um tema presente nos contos de fadas de origem européia: a transformação de irmãos em cisnes e os desafios enfrentados pela irmã caçula para livrá-los deste encantamento.

Em “O filho do ferreiro e a moça invisível”, um rapaz é obrigado pelo rei a entrar num misterioso buraco que ninguém conseguia fechar e voltar para contar o que existia lá dentro. É assim que ele consegue desfazer o feitiço que havia tornado invisível a filha do monarca, que vivia presa ali.

“Dona Boa-Sorte e mais dona Riqueza” são duas personagens que disputam qual delas é a mais poderosa.

“As três noites do papagaio” conta as artimanhas feitas por um rapaz, com a ajuda de uma velha feiticeira, para conseguir ficar com uma bela moça, já casada com um vendedor ambulante.

“O filho mudo do fazendeiro” conta o estratagema usado por uma jovem para conseguir fazer com que um rapaz, que vivia deitado numa cama sem nunca dizer uma palavra, voltasse a falar.

Estas sábias e divertidas histórias, depuradas por séculos de circulação de boca em boca ou, como agora, de livro em livro, apresentam enredos inteligentes e envolventes que, além de resgatar o imaginário popular brasileiro, revelam uma qualidade que é característica dos contos de tradição oral: a reflexão sobre a vida e suas dificuldades, o ensinamento ético, a representação das qualidades humanas sem que, com isso, esta literatura se limite a recados didatizantes ou em pretexto para lições de bom comportamento.

As ilustrações retomam a brasilidade da linguagem utilizada e os componentes da cultura popular das histórias, enriquecendo sua leitura. Como nos conta o autor, “quem canta seu mal espanta/quem quem chora não se contenta/quem conta histórias se encanta/quem não conta se arrebenta!”

Para ler, contar e recontar a crianças, jovens e adultos.

Armazém de folclore

“Riquíssimo depósito de conhecimento humano a respeito de vida e do mundo…” assim Ricardo Azevedo resume o universo de contos, ditados, quadras, brincadeiras com palavras, adivinhas e outras manifestações da cultura do povo brasileiro, a fonte e a raiz de todos os textos do Armazém do folclore.

Com linguagem transparente e iconografia de rara beleza, este livro de 128 páginas dá continuidade ao trabalho de pesquisa que o autor vem desenvolvendo desde 1986. A partir deste livro foi feito um outro, Bazar do folclore, parte do projeto Literatura em minha casa, do Ministério da Educação/FNDE, formando um conjunto de livros distribuídos gratuitamente para crianças de escolas públicas de todo o Brasil. (Livro adotado, em geral, de 4ª a 6ª séries)

O sábio ao contrário

A história do homem que estudava puns

Num reino muito distante vivia um velho sábio que passava a vida a estudar um assunto inusitado: os puns dos seres humanos e dos animais. Uma teoria fundamentava sua pesquisa: todo ser vivo solta puns e a partir deles pode-se descobrir muito sobre quem os emite.

Mesmo desacreditado, motivo de chacota dos moradores da cidade que zombavam de suas extravagantes experiências e da ciência inventada, a peidologia, o sábio não desistia de seus estudos e de seu bom-humor.

Um dia, a filha do rei daquele lugar adoeceu e ninguém conseguia curá-la. O velho sábio foi chamado e, recolhendo num recipiente de borracha os gases que a princesa moribunda soltava, pôs-se a estudá-los. Quando, finalmente, conseguiu descobrir o problema e preparar o remédio para curá-la, correu até o castelo. Lá, todos choravam, pois a princesa havia morrido. Inconformado, o sábio derramou em sua boca os medicamentos e, imediatamente, a moça se recuperou.

Durante a festa preparada pelo rei para comemorar a saúde da princesa, o sábio a pediu em casamento. Apesar da enorme diferença de idade entre eles, a princesa aceitou o pedido. Em sua primeira noite de casados, o sábio perguntou à princesa se ela havia aceito o casamento apenas por agradecimento e ela, com franqueza, lhe disse que sim.

O sábio lhe disse que sua vida estava chegando ao fim e que ele, na verdade, gostaria de lhe ensinar tudo o que sabia sobre a ciência que inventara, a peidologia. Depois de certo tempo, com os ensinamentos e a experiência transmitida pelo sábio, a princesa tornou-se uma pessoa feliz e amadurecida.

Mais uma vez o sábio lhe perguntou sobre o motivo que a fez casar-se com ele. Agora, a moça lhe respondeu que tudo estava mudado: ele fazia parte de sua vida e de tudo o que ela gostava. Dando uma cambalhota, o sábio transformou-se num jovem, revelando à princesa que, por ter cheirado os gases de um bruxo traiçoeiro, havia sido por ele enfeitiçado e que, graças a seus estudos sobre os puns e ao seu amor, havia ficado livre do feitiço.

Esta narrativa, enriquecida pelas bonitas ilustrações em branco e preto que nos remetem às xilogravuras da histórias de cordel, alia o tema bem humorado e os episódios divertidos aos comentários dos personagens sobra a vida e os valores humanos.

Boa opção para crianças com autonomia de leitura.

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