Meu material escolar

Sempre gostei de papelarias. Lembro de mim pequeno, começo de ano, época de comprar material escolar, entrando nas lojas e olhando aquilo tudo.

A parte dos cadernos com suas capas coloridas. O setor dos blocos e fichas avulsas de papel. A prateleira das agendas e pastas. As estantes com envelopes, colas, tesouras, barbantes, estiletes, réguas, borrachas, etiquetas, fitas adesivas, clipes, tachinhas, elásticos e grampeadores.

Sempre gostei também daquele cheirinho gostoso, mistura de papel novo, tinta, cola e grafite.

Lembro de ficar com o nariz enfiado no vidro do balcão, admirando os vários lápis e lapiseiras, as esferográficas, os estojos de lápis de cor, os lápis de cera, as tintas e pincéis, os compassos, as canetas hidrocor e as diversas e sempre elegantes canetas-tinteiro.

Depois, quando comecei a escrever e desenhar livros, esse amor cresceu ainda mais.

Passei a freqüentar as lojas especializadas em material de desenho com seus papéis maravilhosos, com ou sem textura, de diferentes cores e espessuras, às vezes feitos de algodão puro; suas aquarelas de tubo ou pastilha; seus pincéis de pêlo de marta; seus mil lápis de cor especiais; as ecolines; os guaches; os óleos; as telas; as tintas nanquim; as canetas e penas para desenhar com nanquim; os papéis vegetal e manteiga; os pastéis secos e oleosos; carvões; godês; fitas crepe, fixadores, esquadros, discos de proporção, curvas francesas, bolômetros, réguas paralelas, escovas, potes e potinhos, pranchetas, luminárias, manequins e tudo o mais.

Foi, com certeza, do amor por esse universo riquíssimo de materiais e instrumentos que saíram as idéias para escrever e desenhar este livro.

P.S.: Para fazer os desenhos do livro, usei papel Fabriano, lapiseira com grafite, aquarela, guache e lápis de cor, sem falar da página 32, onde fiz uma colagem, e ainda do papel sulfite para os rascunhos, da borracha, do disco de proporção, do estilete, das réguas e da fita crepe.

Aula de carnaval e outros poemas

O carnaval é uma das festas mais antigas da humanidade. Suas prováveis origens podem ser associadas a ritos pagãos arcaicos que comemoravam o tempo cíclico (a crença de que tudo nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre e renasce) e a fecundidade sagrada da terra, da vida e do mundo. De certo modo, o carnaval é até hoje um rito que festeja a existência e a esperança. Durante essas festas e folias, acredita-se que costumava imperar um grande espírito de coletividade e igualdade entre as pessoas, a comida era farta, ricos e pobres se igualavam, escravos eram soltos, leis, símbolos e valores sociais eram relativizados e dessacralizados. Muitos estudiosos da cultura popular propõem, em suma, a existência uma “visão de mundo carnavalesca”. Ela seria marcada pelo riso festivo, grotesco, fecundo e sempre renovador.

Trazido pelos portugueses – o entrudo, festa popular colonial, era um folguedo
carnavalesco – o carnaval ganhou, no Brasil, nova face, misturando-se, por exemplo, às festas e procissões do Dia de Reis (dedicadas aos três Reis Magos e sua visita ao Deus Menino) e aos ritos e festejos das culturas africanas. Com tantas fusões culturais, pode-se dizer que existem carnavais exclusivamente brasileiros. Falo “carnavais” porque o carnaval carioca é diferente do pernambucano que é diferente do maranhense ou do baiano; o carnaval de rua é diferente dos desfiles das escolas de samba e assim por diante. O que caracteriza as manifestações da cultura popular é sempre e sempre sua extraordinária diversidade.

Pois bem. Sonhei que um dia nossas escolas tinham incluído o carnaval em seus
currículos. Alunos e professores reunidos, trocaram muitas idéias e escolheram o tema do ano. Depois, foi formado um grupo para pesquisar e escrever o enredo. Em seguida, o pessoal que gostava de música e poesia – a ala de compositores da escola – criou com seus violões e cavaquinhos, muitos sambas e marchinhas abordando o enredo escolhido. Nova assembléia geral imaginária escolheu as músicas preferidas (foram escolhidas várias).

Então, começou a trabalheira de bolar um cordão carnavalesco. Não sonhei carros alegóricos nem efeitos caros e complicados. Não se tratava de um espetáculo televisivo nem de comércio e publicidade mas sim de uma festa popular. Um grupo de alunos – a ala de harmonia da escola – partiu para bolar e desenhar as fantasias além de um ou outro boneco ou imagem alegórica (idéias e temas transformados em imagens, figuras e disfarces). Cada participante, claro, fez sua própria fantasia. E a turma ensaiou a cantoria, as danças e o desfile com um cuidado especial na parte rítmica – a ala da bateria da escola – batucando surdos, taróis, tamborins, timbas, ganzás, caxixis, cuícas e pandeiros.

Na semana anterior ao carnaval, a escola saiu, enfim, pelas ruas do bairro, apresentando sua festa, seu trabalho e sua alegria. No sonho, o cordão de foliões era formado por alunos de todas as classes, professores de todas as matérias, diretor, coordenadores e demais pessoas que trabalham na escola, além de muitos pais. Até alguns vizinhos resolveram entrar na dança. Foi um momento de comemorar o carnaval, o trabalho criado coletivamente pela escola durante o ano inteiro, a vida, a arte popular, a nossa cultura e a esperança de construir um mundo melhor.

Abre a boca

Agora é moleza, mas ir ao dentista já foi uma desgraça. Hoje tudo é feito com anestesia e nem isso dói: antes de aplicá-la, os dentistas passam uma espécie de pomadinha milagrosa que deixa a gengiva dormente e meio zonza. É a anestesia da anestesia.

No meu tempo de criança, as agulhas eram muito mais imensas e os dentistas prendiam a gente numa cadeira e machucavam sem dó nem piedade.

Suas armas mais cruéis eram as brocas. Barulhentas feito motor de caminhão velho, pareciambritadeiras esburacando nossos dentes, nossa boca e nossa alegria. Lembro da sensação de estar ali, desesperado, com a boca escancarada, os pensamentos chacoalhando dentro do cérebro e o dentista suando, enquanto a enfermeira espiava de longe com cara assustada.

Lembro de me perguntar: por que os velhos podem usar dentaduras e as crianças não?

Atualmente as brocas foram substituídas por equipamentos silenciosos, discretos, que até soltam agüinha, mas mesmo com toda a tecnologia moderna — antes também diziam que ela era “moderna” — creio que uma das melhores coisas do mundo em que vivemos talvez seja podermos cuidar dos dentes antes que o mal cresça e apareça.

É prudente escovar dente, já dizia eu mesmo. Assim evitamos calamidades, pesadelos e catástrofes desnecessárias.

Não existe dor gostosa

Nasci em São Paulo, em 1949. Dizem que eu não queria sair da barriga da minha mãe, tanto que precisaram me puxar de lá com um fórceps. Desde então, tive assaduras, sapinho, brotoejas, sarampo, coqueluche, catapora, caxumba e ainda fui operado das amígdalas.

Sofri com nariz entupido, mordida de cachorro, dor de barriga, febre, sabonete no olho, furúnculo, cortes, arranhões e dente cariado. Já quebrei a perna jogando bola e também os dois braços depois de cair de um telhado. Uma vez, fui andar no mato, mexi no galho errado e conheci a picada do marimbondo. Dói pra chuchu.

Também tive conjuntivite, gripes mil, frieiras, queimaduras, bronquite asmática, aftas, inflamação na garganta, levei soco no olho, beliscões, cascudos e caneladas, senti coceiras estranhas, espremi o dedo na porta, soltei gases inesperados, tomei coice de cavalo, choque elétrico e pedrada na cabeça, sem falar numa apendicite aguda — isso que eu me lembre.

Tive ainda rinite alérgica. Não podia ver pó que já ficava com o nariz pingando e coçando. Um dia, resolvi ir ao cinema assistir um filme de caubói. Estava tudo bem. De repente, me aparece na tela um monte de índios a cavalo no meio do deserto, berrando e levantando o maior poeirão. Meu nariz quase explodiu. Saí do cinema encafifado.

Acho que por causa de tudoisso tive a idéia de escrever um livro sobre doenças. Experiência eu garanto que tenho.

Como tudo começou (Reedição – Acompanha CD com poemas musicados.)

Reedição – Acompanha CD com poemas musicados.

Como tudo começou é um livro de lembranças do bebê para ser preenchido pelos pais, transformar-se num simpático documento e ser guardado pelo resto da vida pelo filho. O livro é recheado de pequenos poemas inspirados na primeira infância. Como este:

Eu ainda não sei nada
Não sei andar, nem falar
Não sei chamar, nem pedir
Não consigo me explicar

Eu ainda não sei nada
Cada coisa me aparece!
Levo susto, acho graça
Não entendo o que acontece

Eu ainda não sei nada
Como esse mundo é estranho!
Estou querendo brincar
Alguém me leva pro banho

Estou querendo dormir
Alguém prefere cantar
Estou ficando com fome
Me levam pra passear

Por isso, tenha cuidado
Não me deixe sem carinho
Mesmo que eu fique zangado
Mesmo que eu chore um pouquinho!

Livro de papel (Reedição – Acompanha CD com poemas musicados.)

Reedição – Acompanha CD com poemas musicados.

Coletânea bastante original de 36 poemas e 3 adivinhas, cujo tema principal é o papel nas mais variadas formas e usos.

Estão presentes, entre outros, o papel de carta, o papel de bala, o guardanapo, a figurinha, o passe, o dinheiro, a dobradura, a partitura, o cardápio, o barquinho de papel e até o papel higiênico.

Ricardo Azevedo trabalha a linguagem dando ênfase principalmente na rima e no ritmo bem marcado, embora também use outras formas e recursos poéticos. São brincadeiras verbais em que objetos comuns aparecem apresentados de maneira inusitada, descritos de forma não convencional, gerando surpresa e humor.

Copia tudo que vêx,
repete tudo que encontrax,
devia ter outro nomex,
mas agora não tem jeitox,
pois é o povo que dix,
pois é do povo essa vox,
que insiste em queres chamarx,
fotocópia de xerox.

Os poemas estão acompanhados de ilustrações coloridas de vários tamanhos que conversam com os textos, ora acrescentando algo, ora os interpretando ou reinterpretando. Esta feliz associação entre linguagem verbal e visual tem a capacidade de criar imagens e novos significados para aquilo que é conhecido. É o caso do poema Partitura:

Ela flutua no ar,
ela vive no compasso,
ela passa e não se vê,
é flor que cresce no espaço,

Ela existe e ninguém pega,
ela é corpo transparente,
ela é castelo invisível,
é sonho fora da gente.

Essa pintura impalpável,
essa impossível escultura,
pára só quando o maestro
escreve uma partitura.

O desenho de página inteira que o acompanha, mostra uma partitura cujas notas musicais são passarinhos. Pelo trabalho com a linguagem e pela vivacidade do conjunto, que tem a capacidade de atiçar a imaginação, esta obra é recomendada para crianças com domínio de leitura e para ser lido aos que ainda não foram alfabetizados.

A casa do meu avô

Texto revisto e redesenhado

Por meio de versos livre, “A casa do meu avô” é apresentada: “Ah como é doce essa vida/ na casa do meu avô!”.

Em seguida, as pessoas e coisas que fazem parte da casa também merecem versos: o jardineiro português, o cão Dengoso, o piano misteriosos, a vovó: onde será que ela está?, o louco tio Nená, a vizinha Isildinha e a fada feiticeira, que é a cozinheira Geralda. Ensina o Disparate, que é um jogo de inventar histórias.

As ilustrações do autor são coloridas, em tons suaves e traços simples, ocupando páginas inteiras e duplas.

Para crianças com domínio de leitura e para ser lida aos pequenos.

Contos e lendas de um vale encantado

Uma viagem pela cultura popular do vale do Paraíba

O Vale do Paraíba fica entre São Paulo e Rio de Janeiro, vizinho de Minas Gerais. A região é cortada pelo tortuoso rio Paraíba do Sul, que passa entre a serra da Mantiqueira e a serra do Quebra-Cangalha. O rio nasce em São Paulo e vai desembocar nos mares do Rio de Janeiro.

Entre as cidades da região estão Guararema, Jacareí, São José dos Campos, Taubaté, Caçapava, Pindamonhangaba, São Luís do Paraitinga, Redenção da Serra, Aparecida, Guaratinguetá, Cunha, Piquete, Lorena, Cruzeiro, Queluz, Areias, Silveiras, São José do Barreiro, Arapeí, Bananal, Parati, Vassouras, Valença… O mapa ao lado, mostra tudo isso.

A região cheia de serras e paisagens bonitas tem muitas histórias para contar. Isso porque é muito antiga. São trezentos e tantos anos de gente vivendo no vale, trabalhando, construindo vilas e cidades, plantando, comerciando, sonhando, rezando, lutando para viver, contando histórias, inventando tradições, lendas e crendices, ou seja, explicações para as coisas do mundo.

Antigamente, no tempo em que os portugueses mandavam no Brasil, o vale do Paraíba serviu de passagem para os famosos bandeirantes, que partiam de São Paulo em busca de tesouros e escravos índios. Teve também muitas plantações de cana de açúcar.

Depois, descobriram muito ouro em Minas Gerais. Esse ouro foi retirado das minas por escravos e levado até a cidade do Rio de Janeiro no lombo de burros para, em seguida, ser enviado a Portugal. Para chegar nos portos do Rio ou de Paraty, era preciso passar pelo vale do Paraíba. Muitas cidades do vale nasceram e cresceram por causa do transporte do ouro mineiro.

Mais tarde, vieram as fazendas de café. Surgiram então as casas grandes e senzalas valeparaibanas, com suas fazendas, escravos, plantações, festas e tradições. Durante séculos e séculos, a região foi cruzada por tropeiros que transportavam açúcar, café e todo tipo de mercadoria, atravessando as serras da Mantiqueira e do Quebra-cangalha. Com seus burros e bestas, esses viajantes naturalmente deixaram histórias, lendas, hábitos, receitas culinárias, crenças, jogos e ditados.

É preciso dizer que o vale do Paraíba recebeu gente de muitos lugares. Nele vieram morar e trabalhar, em diferentes épocas, portugueses, africanos, italianos, alemães, espanhóis, suíços, húngaros, austríacos, entre outras nacionalidades.

Quando falamos “portugueses” ou “africanos” é bom lembrar que estes vieram de diferentes regiões de Portugal e de vários paises da África. Isso quer dizer que cada uma dessas pessoas veio para o vale trazendo na bagagem suas histórias, crenças e tradições.

No vale também viviam índios, como os Puris que naturalmente enriqueceram a região com sua cultura, histórias e hábitos. O próprio rio Paraíba do Sul, formado pela junção dos rios Paraitinga e Paraibuna, com muitos afluentes, é cheio de narrativas, casos e lendas de pescadores. Segundo uma delas, a imagem de Nossa Senhora teria aparecido e sido pescada nas águas do Paraíba em meados do século XVIII. Daí o nome “Aparecida”, dado à cidade.

Com seus lugares sagrados, oratórios, milagres, santos padroeiros, devotos, festas, folias, procissões, romarias e ex-votos, a região, profundamente marcada pela religiosidade popular, é repleta diabos, almas penadas e assombrações, personagens de vários contos e lendas.

O livro Contos, lendas e crendices do Vale Encantado pretende trazer ao leitor um pouco deste imenso e rico universo cultural por meio das formas literárias de tradição oral que circulam na região: contos, lendas, crendices, quadras, receitas, adivinhas e ditados.

Isso não quer dizer que o material resgatado seja exclusivo da região mas sim que é conhecido e faz parte da cultura de pessoas que habitam o vale do Paraíba.

Todas as ilustrações do livro foram criadas a partir de imagens, paisagens e cores do vale do Paraíba, assim como de sua iconografia popular.

Para escrever o livro, recorri aos trabalhos de um sem número de pesquisadores da cultura da região. Faço questão de citar três deles: Tom Maia, Tereza Maia e Ruth Guimarães. Seus extraordinários estudos são fundamentais para o conhecimento e a compreensão da cultura popular do vale do Paraíba.

Para terminar, esclareço que os textos do livro não buscam apenas preservar algo do passado. Muitas dessas histórias, lendas e crendices continuam vivas e fazem parte do imaginário dos habitantes do vale do Paraíba até hoje e, este é o ponto, representam uma forma de ver a vida e o mundo. Se tudo isso está se modificando, está em vias de desaparecimento ou um dia vai, ou não, desaparecer, é assunto para acadêmicos, teóricos e futurologistas. Certamente, tudo pode desaparecer, inclusive os que prevêem desaparecimentos. Para onde vamos é uma pergunta que fica para outra ocasião. Para qualquer lugar que seja, levaremos conosco as marcas e influências do nosso patrimônio cultural.

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